Ensaio sobre o otimismo

A deficiência visual não impediu o vereador Arnaldo Godoy de criar.

DE BELO HORIZONTE (MG)
FERNANDA FONSECA

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“Se o amor é cego, o jeito é apalpar”

Arnaldo é cego. Diante de uma deficiência – qualquer que seja ela – duas posturas podem ser adotadas. Uma delas – talvez a mais fácil – é representar o papel da vítima, usar a limitação como escudo, esconder-se atrás da falta, fazer da dependência um meio de vida. Por outro lado, colocar-se como protagonista da própria existência, exigir independência, reconhecer a diversidade como algo positivo e ampliar as possibilidades de se estar no mundo requer mais coragem. Olhar para a deficiência visual como uma falta de sentido não foi a opção do vereador.

Criado em um ambiente fértil para o debate, interessou-se desde cedo por política. “Em 1960 eu tinha 9 anos e morava em uma casa com umas 50 pessoas. Na casa da vovó eram 10 filhos, vários netos, e sempre havia discussão política. Eu ficava ali, escutando”, lembra. Quando ainda era estudante no Instituto São Rafael, ficou espantado com o isolamento social dos internos. Na tentativa de aumentar a interação entre os alunos do centro, criou uma rádio colaborativa, em que era possível dedicar músicas para os colegas nos intervalos das aulas. “Mas quatro meses depois que a rádio começou a funcionar, um coronel do Exército mandou fechar, disse que era um instrumento de subversão. Aquilo me intrigou muito.”, conta.

Sua inquietude nasceu ali, junto com o grêmio estudantil que se empenhou para formar. Anos mais tarde, participou dos movimentos de estudantes que resistiram ao endurecimento da repressão, a partir de 1968, como aluno do Colégio Estadual e, posteriormente, estudante do curso de História da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Depois de 1975, ano em que se casou, Arnaldo começou a dar aulas em pré-vestibular. Nesta época, seu envolvimento com política tornava-se cada vez mais efetivo. “Eu participava de alguns movimentos e passeatas, como o ‘Encontro das Oposições’, e percebi que os sindicatos e organizações começavam a se articular para a constituição dos partidos”, diz.

Mais uma vez, a percepção sobre o ambiente político e social que o cercava levou Arnaldo a criar. Ele passou, então, a fazer parte de um grupo que se transformou, em 1980, no embrião do Partido dos Trabalhadores (PT) em Minas Gerais: a escolinha ‘Pés no Chão’. Fundada como uma cooperativa de pais e mães, a concepção da escola baseava-se em outros valores, como uma educação mais crítica. “Curiosamente, essa escolinha foi, mais ou menos, o núcleo de formação do PT no estado, dois anos depois, com o Patrus e o Nilmário, entre outras pessoas”, revela.

Como vereador, mandato que exerce pela quinta vez, atua nas áreas de cultura, juventude, educação e direitos das pessoas com deficiência. Nesta pasta, trabalha para o fortalecimento da noção de cidadania e pertencimento dos portadores de necessidades especiais, garantindo-os participação na vida política e cultural da cidade.

Arnaldo sempre acreditou na importância da inclusão. “Já demos alguns passos e, hoje, temos instrumentos para garantir a acessibilidade, a independência e a autonomia das pessoas com deficiência. Um exemplo é a ‘Escola Inclusiva’, que busca colocar essas pessoas dentro de uma sala de aula comum”, explica. E continua: “Apesar de ter estudado em escola especial, acredito que elas contribuem para a segregação, incentivam a falta de socialização e reforçam o preconceito, a discriminação e a baixa autoestima das pessoas com deficiência”. Para o vereador, a única forma de quebrar o preconceito é conviver com a diferença. “A diversidade é a beleza da vida. É preciso incluir, ao invés de isolar, para aprender com a diferença”, declara.

Otimista com o exercício da política, afirma, com convicção, que “sem ela não há transformação”. Muitos o chamam de utópico, mas o vereador garante que a construção coletiva da realidade – significado de fazer política para Arnaldo – é possível.